O Maio Amarelo na medicina veterinária é uma campanha voltada à conscientização e prevenção das doenças renais crônicas (DRC) em cães e gatos. Com o aumento da longevidade dos pets e o acesso cada vez mais frequente a serviços especializados, o número de diagnósticos de DRC também cresce — trazendo à tona a necessidade de protocolos preventivos robustos e bem estruturados na rotina clínica.
Neste artigo, abordamos os principais fatores de risco, métodos diagnósticos, recomendações de triagem e manejo inicial da DRC, com foco na atuação estratégica do médico-veterinário como agente de prevenção.
A importância da saúde renal em pequenos animais
A função renal é vital para a homeostase do organismo animal. Os rins regulam o equilíbrio eletrolítico, o pH sanguíneo, a pressão arterial e a excreção de resíduos metabólicos. A doença renal crônica se caracteriza por uma perda progressiva e irreversível da função renal, e pode se manter subclínica por longos períodos, dificultando o diagnóstico precoce.
Segundo o Cornell Feline Health Center, até 30% dos gatos acima de 10 anos apresentam alguma forma de DRC, com prevalência aumentando significativamente com a idade [1]. Em cães, a DRC é menos prevalente, mas ainda representa um dos principais motivos de consultas geriátricas.
Estadiamento: o que diz a diretriz IRIS
A IRIS (International Renal Interest Society) estabelece os critérios para o estadiamento e manejo da DRC, com base em exames laboratoriais como:
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Creatinina sérica
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SDMA (dimetilarginina simétrica)
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Proteinúria
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Pressão arterial sistêmica
O estadiamento IRIS varia de 1 (estágio inicial, função renal preservada) a 4 (estágio terminal, com sintomas clínicos evidentes). Quanto mais precoce for o diagnóstico, maiores as chances de intervenção eficaz e desaceleração da progressão da doença.
Biomarcadores modernos: SDMA como aliado clínico
A SDMA é atualmente considerada um dos biomarcadores mais sensíveis para o diagnóstico precoce da DRC. Ela se eleva quando há perda de cerca de 25% a 40% da função renal — bem antes do aumento da creatinina, que só ocorre com 70% de perda funcional [2].
Estudos mostram que a SDMA pode antecipar o diagnóstico da DRC em até 17 meses em relação à creatinina [3]. Isso oferece uma janela crítica para intervenções nutricionais e terapêuticas.
Fatores de risco e populações de atenção
Diversos fatores podem contribuir para o desenvolvimento da DRC em cães e gatos:
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Idade avançada (especialmente > 7 anos)
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Racas predispostas, como Shih Tzu, Lhasa Apso, Cocker Spaniel e gatos SRD
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Histórico de doenças infecciosas (como leptospirose e PIF)
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Uso crônico de medicamentos nefrotóxicos (AINES, antibióticos aminoglicosídeos)
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Doenças periodontais crônicas, que aumentam a inflamação sistêmica
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Desidratação recorrente (especialmente em gatos que consomem pouca água)
A abordagem preventiva deve considerar esses fatores para estabelecer protocolos individualizados de triagem.
Medicina preventiva na prática: recomendações clínicas
Para que a campanha Maio Amarelo produza resultados concretos, o médico-veterinário deve integrar a saúde renal à rotina clínica preventiva, especialmente em atendimentos geriátricos.
Avaliações laboratoriais recomendadas:
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Hemograma completo
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Bioquímicos: ureia, creatinina, fosfatase alcalina, ALT, fósforo
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SDMA
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Urina tipo 1 + densidade urinária
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Relação proteína/creatinina urinária
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Monitoramento da pressão arterial
Frequência ideal:
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Cães e gatos saudáveis com mais de 7 anos: check-up renal anual
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Pacientes com histórico de doenças sistêmicas ou nefrotóxicos: a cada 6 meses
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Animais com suspeita ou confirmação de DRC: monitoramento trimestral ou conforme gravidade
Orientações ao tutor: papel educativo do veterinário
Boa parte do sucesso na detecção precoce e controle da DRC depende da comunicação eficaz com os tutores. Muitos proprietários só percebem que há algo errado quando o animal apresenta sinais como:
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Aumento na ingestão de água (polidipsia)
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Aumento do volume urinário (poliúria)
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Perda de peso e apetite
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Vômitos intermitentes
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Letargia
Cabe ao profissional orientar sobre a importância do check-up renal regular, principalmente em animais idosos ou pertencentes a grupos de risco. A adesão do tutor é maior quando ele compreende os benefícios da detecção precoce.
Nutrição e manejo clínico nos estágios iniciais
A alimentação desempenha papel essencial na proteção da função renal. Diversas diretrizes recomendam a introdução de dietas renais específicas (com menor teor de fósforo, proteína de alta qualidade e suplementação de ácidos graxos) ainda nos estágios 2 ou 3 da IRIS.
Além disso, é importante:
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Estimular o consumo hídrico (uso de fontes, alimentação úmida)
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Monitorar eletrólitos e função hepática
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Corrigir anemia e acidose metabólica, se presentes
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Controlar a hipertensão com medicação apropriada
Conclusão
O Maio Amarelo é mais do que uma campanha: é uma oportunidade para reforçar a medicina preventiva como ferramenta de impacto real na saúde dos pets. A doença renal crônica pode ser silenciosa, mas o médico-veterinário deve ser a voz ativa que antecipa seu diagnóstico, melhora o prognóstico e oferece qualidade de vida prolongada aos pacientes.
Incorporar protocolos de triagem renal à rotina clínica é um investimento em saúde, confiança e bem-estar animal. E quanto mais cedo começarmos, melhores serão os resultados.